Era 20 de setembro de 2013. Mais uma
vez, eu estava ajudando meu pai em suas buscas em vez estar
estudando. Eu sempre fazia isso quando ele me pedia. E ele sempre me
pedia quando suas pesquisas indicavam que ele encontraria um fóssil
em sua área de busca. Infelizmente, suas pesquisas nunca estiveram
certas até aquele dia.
Sim, meu pai é arqueólogo. Era
conhecido no mundo da arqueologia americana mais por sua paixão que
por suas descobertas. O Dr. Jonathan Mulans era reputado por ter
passado milhares de horas de sua vida consagrando-se ao estudo dos
fósseis. Todos duvidavam que alguém como ele pudesse fundar uma
família um dia. Mas ele fundou.
Minha mãe, por outro lado, não é do
tipo que se vê na maioria das famílias. Ela tem um doutorado de
História de Oxford e já deu aulas em muitas universidades de
renome. Ganhadora de vários prêmios marcantes em sua carreira, é
sem sombra de dúvidas um grande intelecto. Porém, quando ficou
grávida de mim, entrou numa espécie de stand by
profissional. E minha irmã caçula
de treze anos, a
Marina, só agravou a
situação. A única coisa que ela faz
então é
escrever para jornais e apresentar palestras nos Estados Unidos
todos, de tempos em tempos.
Nós
quatro e Flaky, meu gato, formávamos, a meu ver, a família mais
estranha do mundo. Marina e eu não tínhamos muitos amigos porque
nos mudávamos cada ano para um novo lugar para que meu pai pudesse
continuar suas buscas. Por isso, estudávamos em casa com professores
particulares.
Minha mãe passava horas na internet, dizendo estar trabalhando
virtualmente para sites universitários, mas eu tenho certeza que ela
passava maior parte do tempo nas redes sociais. E
meu pai vivia em seus fossos e grutas à procura de fósseis.
Provavelmente, meu
gato birmanês era o mais normal dentre nós.
Naquele
dia, meu pai estava mais que convicto de que
faria uma descoberta arqueológica inédita.
De acordo com ele, algo
incrível
estava enterrado por ali.
Ele dizia poder sentir e
dizia ter sentidos desenvolvidos para esse tipo de coisa.
Porém, já
cavávamos havia quase quatro horas. Ele ainda batia com fervor a
picareta nas pedras para moê-las, mas eu já estava cansado. Minha
camiseta estava encharcada de suor que começava a secar com a lama e
meus braços doíam. Encostei a pá na parede da gruta, sentei no
chão e tirei minhas botas de plástico para descansar meus pés.
– Pai, tem
certeza que tem alguma coisa aqui?
Ele pôs a
picareta sobre o ombro e se virou para mim. Seus olhos estavam cheios
de esperança, como sempre.
– Sim, filho.
Dessa vez há! Minhas pesquisas não estão erradas.
– Não foi o que
eu quis dizer...
– Não importa.
Steve, eu te prometo que se não houver um artefato enterrado aqui,
esse será o fim da minha carreira.
Suspirei.
Aquela era uma promessa difícil de ouvir, porque eu sabia que não
encontraríamos nada, como
das outras vezes. Fiquei de
pé, peguei minha pá e voltei a cavar o barro úmido. Afinal de
contas, ele era meu pai e eu o ajudaria sempre.
Subitamente,
um clic! similar ao choque de
metal contra vidro percutiu pela gruta. Girei
nos calcanhares. Meu
pai tinha deixado a picareta
cair e estava olhando para o chão, estático.
– Steve...
Aproximei-me dele
para ver.
Aos
seus pés, parcialmente
imerso no barro, estava um objeto completamente diferente de tudo que
eu já tinha visto.
– Pegue a câmera
– disse ele.
Meu pai tirou suas
luvas de plástico do bolso e as vestiu. Então, com sua pinça e seu
pincel, removeu e limpou o objeto. Enquanto isso, eu tirava fotos
daquele artefato estranho e do local onde o tínhamos encontrado.
Era
uma
pedra redonda negra e reluzente, da qual saíam opostamente duas
hastes do mesmo material, que se arqueavam e
formavam um quase-círculo de 270 graus cada uma. Ela
me fazia pensar no símbolo do infinito – o oito deitado –, porém
não havia junção entre as hastes, ou
na letra “S” maiúscula.
– Eu não disse,
Steve? Sabia que encontraria!
Ele estava
completamente eufórico. Para ele, aquela era uma primeira. A
aspiração de toda a sua vida tinha finalmente tido um resultado
positivo.
–
Pai,
você sabe o que é isso?
– perguntei intrigado.
Geralmente, as
descobertas eram animais ou vegetais fossilizados, ou restos de
objetos parcialmente degradados. Mas aquilo era diferente. Além de
estar inteiro, brilhava como se fosse novo.
– Não faço
ideia – admitiu arqueando a sobrancelha esquerda, uma mania que eu
herdei dele. – Mas descobriremos cedo ou tarde. Sim, descobriremos!
Em
dez minutos, pusemos o objeto num saco ziplock, limpamos as
ferramentas e saímos da gruta. O sol estava quase desaparecendo.
Naquela sexta-feira, poucas equipes de escavação tinham vindo
trabalhar no Parque Nacional de Mammoth Cave. E
todos
os presentes se
preparavam para partir.
– Steve, Jon!
Como estão vocês?
Num
passo elétrico, seu melhor
amigo desde a infância, que
trabalhava no mesmo ramo, se
aproximou.
– Bem –
respondi. – Meu pai encontrou um objeto muito estranho.
Este
último, que estava no
telefone com a mamãe anunciando-lhe a última novidade, desligou e
abraçou seu
amigo.
– Willy, cara,
você não vai acreditar! Encontrei um artefato!
Ele
passou o saco para
seu amigo. Willy analisou
o objeto com cuidado. Ele parecia tão intrigado quanto
nós – enfim, eu.
–
Isso não é algo natural – comentou meu pai. – Imagino
que tenha sido construído por algum povo antigo.
–
Isso pode ser uma grande descoberta, Jon. A
associação vai ficar feliz em
obtê-lo.
–
Sei que vai. E meu nome
estará
em
todos os jornais
dos próximos dias.
Eu,
pessoalmente, achava aquilo injusto. De fato, toda descoberta feita
naquele sítio devia ser relatada à NAA – Associação
Arqueológica Nacional – e ela tomava posse dos fósseis para poder
estudá-los. Era ela também quem mantinha os sítios de buscas e
financiavas as pesquisas. Mas, no fim, o mérito da descoberta era
muito mais dela do que de quem tinha
passado horas a cavar.
–
Você merece, Jon. É o cara mais dedicado que conheço –
cumprimentou William. – Eu tenho que ir ao aniversário do meu
irmão. Me liga amanhã para comemorarmos, okay?
Então Willy nos
deixou.
Meu
pai e eu fomos andando até seu carro – um Land Cruiser Gx –,
pusemos todo o material no
cofre e nos sentamos
à frente. Ele
pôs seu CD favorito dos
Rolling Stones para tocar e girou a chave na ignição.
– Ponha seu
cinto de segurança, filho. Hoje precisamos comemorar.
O
jantar estava na mesa quando chegamos. Mamãe nos esperava na porta
com um sorriso no rosto e Marina estava assistindo sua série
policial na televisão. Papai beijou as duas animadamente e começou
a contar nosso dia antes mesmo de nos sentarmos para comer.
Quando
terminamos, subi para meu quarto. Meus ombros doíam, mas decidi
ignorá-los. Tomei um banho quente demorado, sentei
na minha cama e abri meu notebook. Abri uma página do Google, bati
“pedra em forma de s” e cliquei em “pesquisar”. Tive de mudar
de palavras-chaves muitas vezes até encontrar um catálogo com o
nome e uma foto de todos os tipos de pedras existentes. Nenhuma se
parecia com aquela que meu pai encontrara mais cedo.
Dei uma checada no
meu Facebook mas minhas pálpebras estavam ficando pesadas, então
decidi ir dormir. Como não tinha nada para se fazer nos sábados em
Brownsville, poderia ficar na cama até tarde.
***
Eram cinco para as
dez quando levantei. Ainda de pijama, calcei minha pantufas e desci
as escadas. Fui até a cozinha e dei com Marina, que comia uma tigela
de cereais enquanto lia uma história em quadrinhos.
– Você viu a
mamãe e o papai? – perguntou ela.
– Acabei de
acordar, Marina. Eles não estão no quarto?
Ela meneou a
cabeça.
– Nem no jardim,
nem na garagem. Parece que foram passear sem nós.
– Isso é bom.
Pelo menos a mamãe saiu da frente do computador.
Fui até a
geladeira pegar o leite. Na porta, um recado escrito a mão estava
pregado.
– Marina, você
viu isso aqui?
– Não. O quê?
– Eles deixaram
um recado. Parece que ontem à noite, depois do jantar, eles saíram
para comemorar.
Peguei uma tigela
e a enchi com meus cereais favoritos. Quando ia derramar o leite
dentro, meu iPhone vibrou. Tinha uma nova mensagem.
“Peguem algumas
peças de roupa e deem o fora de sua casa o mais rápido possível.
Virei buscá-los quando puder.”
O número do
remetente estava bloqueado. Mas por que alguém me enviaria uma
mensagem como essa?
– Marina, olha
só isso – disse passando o celular para ela.
Assim que leu, ela
bufou.
– Isso se chama
trote. É uma pegadinha para idiotas.
De supetão, uma
pedra atravessou a janela da sala e caiu no saguão de entrada,
jogando inúmeros fragmentos de vidro pelo chão. Naquele momento,
soube que quem quer que tivesse mandado aquela mensagem, não estava
brincando. Estávamos em perigo.
– Marina, saia
pela porta dos fundos e se esconda no quintal! – disse me
levantando.
– Aonde você
vai?
– Vou pegar umas
coisas.
Subi
as escadas correndo, peguei
uma mochila e entrei no meu quarto. Dentro pus meu notebook, minha
carteira com meus documentos e algumas peças de roupa. Corri até o
quarto de Marina e escolhi algumas vestimentas aleatoriamente.
Ouvi o som de
passos correndo escada acima. Era tarde demais, eu não poderia
descer. Fui até a janela e olhei para baixo. Teria de pular do
primeiro andar, caso não quisesse ter de enfrentar quem quer que
estivesse se aproximando. Então pulei.
Apesar da minha
tentativa falha de cair nos pés e rolar para amortecer a queda, o
impacto nos meus joelhos foi doloroso. Mas, em função da
adrenalina, nem prestei atenção na dor.
– Steve! Aqui!
Marina sussurrava
escondida detrás do cortador de grama do papai, com Flaky nos
braços.
– Vamos dar o
fora daqui – disse acariciando a cabeça do gato. – Ele peida
quando está estressado.
Corri até ela e
me agachei ao seu lado, mesmo aquele esconderijo sendo pequeno demais
para duas pessoas. Olhei para a casa e, na janela do quarto de
Marina, vi um homem armado. Seu olhar cruzou com o meu.
– Corre! –
gritei.
Então nos
precipitamos em direção da rua.
Três balas
passaram perto de nós, mas conseguimos sair do alcance das armas
indo para outras casas da vizinhança. Nesse momento, eu estava certo
de que eles viriam atrás de nós e nos matariam. Não havia saída.
Um carro preto
parou a nossa frente. O vidro blindado do carona deslizou,
mostrando-nos um homem desconhecido no volante.
– Por favor, não
nos mate – implorei.
O homem arqueou
uma sobrancelha. Incondicionalmente, aquele gesto me tranquilizou.
– Se quiserem
viver, entrem – disse o motorista.
Então nos
atiramos para dentro do carro.